Passeando

Domingo, 11 de janeiro

Daí que eu acordei com uma claridade ensurdecedora, e a primeira coisa que pensei foi "deusdocéu, meio dia, perdi o café da manhã!". Apertando os olhos, tateando a cômoda, tentando entender como o sol vencia a cortina tão grossa que parecia lona e a porta preta que dava na varanda, encontrei o celular, abri e absurdei: cinco da manhã. Juro, juro: cinco da manhã o sol já está quase no meio do céu. E ele fura até concreto.

Muito bem, dormi até a hora do café, acordei, tomei um desjejum reforçado e estava pronto para turistar. Seu Jurandir, meu digníssimo pai, foi até a recepção, pediu informação sobre ônibus e estávamos todos prontos. Ou eu, ingenuamente, pensei assim. Deixe-me lhe contar algo sobre meu pai, leitor não parente:

Quando éramos crianças, costumávamos, a família toda, acampar numa dessas cidades do interior Paulista com nome estranho começando em Ita. Não era acampamentão, meio do mato, caça-sua-comida-faz-cocô-na-moita. Era só armar a barraca lá num clube que tinha banheiro, piscina, chuveiro, restaurante, essas coisas que podem deixar um acampamento divertido. Um belo dia, o velho resolve levar a gente pra passear. Entra a famíla toda no carro, sai do clube, cai na estrada, e seis horas de "calma, eu sei o que eu estou fazendo, tá comigo tá com deus, não vou pedir informação porque eu não estou perdido". Sim, seis horas perdidos na estrada. Dá pra começar a medir o senso de direção e a teimosia por aí. Pois bem, nós deixamos essa pessoa pedir informações sobre como chegar ao centro de Salvador.

Eu ainda não tinha me ligado nisso, e estava lá tranqüilo no ônibus, observando a paisagem, lendo as placas. Deveria ter feito como o Frê, e prestado mais atenção a Jurandir, que olhava para os lados com aquela cara de "Ai caramba, onde é que eu estou?" e dava um puta pala de turista. Aí eu ouço Frê, com seu sempre gentil jeito, perguntar "Ae véio, onde é que a gente vai descer", ao mesmo tempo que reparo que uma placa apontava centro histórico pra esquerda, enquanto o nosso ônibus seguia para a direita. E a gente foi parar numa rodoviária caída, meio sinistra, completamente vazia.

Se a leitora nunca viu, eu sugiro que continue sem ver o que é um Emiliano nervoso. Um que de xiliquenta, um misto de raiva e choro contido, dizendo "nunca mais nessa vida faço [blank] com você(s)". E era assim que eu estava quando aportei na rodoviária. Mas eu me estabeleci rapidamente, quando percebi que Jurandir continuaria apenas olhando para um lado e para o outro com cara de perdido. Eu comecei a ler as placas e Frê usou suas habilidades socias pra descobrir onde é que nós estávamos e como é que diabos sairíamos dali.

Após o susto inicial de domingo, saímos de frente pra esquina da banca de jornal com entrada de concurso pra alguma coisa aí. Não sei bem, como pode ver o leitor mais atento. Mas foi engraçado ver uma moça pedindo dinheiro emprestado pro jornaleiro pra pagar o taxi, que o homem tava nervoso. E o mais incrível foi que o jornaleiro emprestou. Nunca em São Paulo.

Enfim, andamos, seguimos as placas, e fomos dar na praça Castro Alves, que tem uma estatuazona do poeta, e uma puta visão do mar. Mas domingo a cidade é vazia demais, fica tudo meio deserto, e fomos aconselhados a continuar andando, meio perigoso e tals (na verdade, depois descobrimos é que os soteropolitanos é que andam meio medrosos e tudo é meio perigoso. Mas primeiro as primeiras coisas(acho que não é bem isso em português)). E saímos no Elevador Lacerda -- que não, não tem vista panorâmica, as pessoas usam como meio de transporte entre a cidade baixa e a cidade Alta, eu já sabia disso, e agora você também sabe, não vá pagar mico quando for pra lá.

O Elevador dá de frente para o Mercado Modelo, o Fre é músico, pirou, queria comprar berimbau, cuíca, tambor, tudo na hora. Eu achei muito pra turistão ver e meio caro. Mas comprei um par de óculos escuros na barraquinha ali fora, porque ai que terra clara!

O Mercado tem restaurante lá em cima, mas de domingo ele não abre (vai entender. é tipo fechar na hora do almoço). Então saímos atrás de restaurante, encontramos, era muito fresco, essas coisas de culinária contemporânea (lixo pop. aliás, acho que está mais pra world music). Pedimos informação no posto de gasolina, o moço falou que tinha ali na marina, mas era meio longe. Fomos andando assim mesmo, e oi? trezentos metros. Ainda assim, achei tudo meio fresco -- caramba, comi avestruz com aspargos, e o aspargo era aquele verde, não o em conserva! Meio caro, mas tava todo mundo com muita fome, e ninguém a fim de procurar mais.

Ainda pegamos um táxi e fomos até a casa onde minha prima morou, conhecer a dona, de quem ela gostava muito, e resgatar a mala. E dá-lhe família Lima andando com uma mala enorme, meio mofada, meio avariada, pelas ruas de Salvador. Voltamos para o hotel, porque no dia seguinte tinha o passeio "grátis" da companhia de viagem. E eu, com a nota mental gritando na cabeça "daqui pra frente, ninguém pede informação sobre ônibus a não ser eu".