Do interesse amoroso

Ai, ai... discutia eu esta semana sobre a possibilidade/impossibilidade da amizade entre pessoas que têm interesse romântico uma pela outra e por qualquer motivo não podem chegar às vias de fato. Devo confessar que muito recentemente eu mudei minha opinião sobre o assunto, e para que a leitora que me conhece há pouco tempo entenda o porquê, faz-se necessário que eu recue um pouco no tempo (ah, a escrita! Os físicos gastam suas vidas pensando nos paradoxos gerados pela viagem temporal, sonham com a possibilidade de um dia, ah, talvez um dia... mal sabem eles que ela já exista há sete mil anos, e atende pelo nome de escrita... mas divago) e conte que e como nem sempre fui esta combinação quase irrestível de charme e sensualidade (e sim, naqueles tempos eu ainda achava que modéstia era virtude; muita coisa mudou desde então, e eu só tenho a agradecer -- a mim mesmo, que me fiz abrir os olhos). Enfim, ao leitor que me conhece desde os tempos em que podíamos nos chamarmos mutuamente de ouvintes, e éramos leitores principalmente de Claremont, McFarlane, Bagley e Serpieri (deste, inconfessos) é aconselhável que pule o próximo parágrafo, salvo tenha nas papas gustativas aquela vontade de nostalgia.

Bom, cara leitora, como eu já lha permiti entrever acima, durante minha adolescência eu fui terrivelmente nerd. Se agora escrevo de maneira tão aprazível, é porque pratico desde então, no mínimo. Sem contar os finais de semana gastos nas mais diversas leituras, fosse alta literatura, fosse a nobre e subestimada arte dos quadrinhos, fosse mesmo revistas dessas que figuram nos consultórios de oftalmologistas. Além, jogador experientíssimo de diversos RPGs e Magic, The Gathering™ (ah, Miragem é que era edição de verdade), aluno terrivelmente aplicado, desses que levantam a mão pra perguntar durante a aula e pedem mais informação sobre o assunto ao final dela. E monitor voluntário do laboratório de biologia pelo simples gosto e prazer. Imagine a leitora que nada disso eu fazia escondido; nem sequer tentava disfarçar. Quantos garotos assim nerd você pegou durante a sua adolescência, cara leitora? Nenhum, é claro. Nossa única esperança era ter um cabelo legal -- cento e treze tranças não é pra qualquer um -- e nas férias viajar para onde nossa fama ainda não nos houvesse alcançado. Enfim, o que eu quero dizer é que durante o Ensino Médio, é impossível usar os miolos para compensar as canelas finas.

Então não era de se espantar que durante essa época eu achasse completamente possível haver amizade entre pessoas que se sentissem atraídas, exatamente porque, e a leitora já deve ter feito as contas, era o máximo que eu podia arranjar. Na tentativa desesperada de não perder inclusive a companhia do objeto de desejo, qual era o modus operandi? Dizer sim ao "nós podemos ser só amigos", passar super bonder no canal lacrimal, fingir que não doía nem um pouco, meter o sorriso na cara e ficar com aquele prazer masoquista de saber que a gente é forte o bastante pra se doer sim e não deixar ninguém perceber (o que é mentira, aliás. Todo mundo percebe, só não comentam contigo).

Enfim, meus dezessete anos acabaram. De repente, nerd is the new tesão, e aí? Bom, tudo o que você, leitor que era nerd -- e continua nerd, mas agora pega geral --, tem que imaginar que são duas pessoas na situação descrita acima, e você lembra como era, não lembra? Se o seu objeto de devoção mandasse, você obedecia, não é? Tudo porque lá no fundo você tinha a esperança de ouvir "Ok, você passou em todos os testes. Abaixe as calças agora". E você sabe que você abaixaria. Bom, imagine assim duas pessoas desesperadas por migalhas de atenção, caçando todas as migalhas que caem, e deixando escapar nas entrelinhas "eu sou seu, por favor, faça o que quiser comigo". Dá merda e morre gente, comandante. Como eu já disse por aí:

Começa com só vou sair junto, vai ter mó galera, não pega nada. E como não pega nada, mas a gente não conversou o suficiente, tudo bem, saímos só nós dois, a gente sabe que não pega nada. E daí, como a gente sabe que não pega nada, ué, passa a se encontrar mesmo em casa, se não pegou nada na rua, em casa também não pega nada. E assistir um filme juntinho, de mãos dadas, pô, eu faço com todas as minhas amigas, não pega nada. Bom, eu não beijo todas as minhas amigas na boca, mas foi só um beijinho, beijinho não pega nada, se ninguém ficar sabendo nem é traição. Transar no sofá é a mesma coisa. E daí que foram duas vezes seguidas? No mesmo dia? Conta como um erro só, né? Seria muito pior se fosse um final de semana todo, se esforçando pra conspuscar todos os cômodos da casa, e quem sabe um ou dois lugares públicos. Por isso eu vou viajar esse final de semana e não chamar ninguém, eu preciso ficar sozinho. O telefone? Imagine, eu ligo pra todas as minhas amigas só pra dar oi, pega nada.

13 comentários:

Samira disse...

É, Emil, bem lembrado! A amizade, uma das mais terríveis formas de tortura a que se pode submeter alguém que tem um "sentimentozinho" (porque você sabe o quanto sou romântica) a mais. Eu que o diga, aliás, sobre a eficácia desse método que, ao final, te vence pelo desgaste...Mas a gente supera, não é mesmo?

Emil disse...

Ou fica repetindo pra sempre a mesma cena, só com outras figuras.

très julie disse...

eu acredito em amizade entre homem e mulher. mas, se um dos dois gosta do outro, não é exatamente amizade (pelo menos, não da parte deste). eu sei diferenciar os casos dos caras que eu queria pegar e, por isso, me aproximei (e virei amiga, e não deu certo, eu era nerd, e ainda sou) dos casos dos caras de quem fiquei amiga por qualquer motivo que não tinha a ver com atração de nenhuma das partes (geralmente, afinidade musical ou coisa do gênero). são situações bem diferentes.

por outro lado, nas pouquíssimas vezes que o amigo disse que na verdade ele não queria ser só amigo, e não rolava (porque quando rola, qual é o problema?), eu acabei me afastando, até por não saber lidar com a criatura, não querer magoar, dar esperanças que não se realizariam e tal.

mas se tem interesse de ambas as partes, que role uma pegação. o problema é quando um só quer putaria e o outro está na vibe namoritcho...

Emil disse...

Mas Julee, eu sou super a favor da pegação. Podendo os dois, querendo os dois, não tem que enrolar, não tem que fazer cu doce (e acredite, eu já vi amizade dar merda por causa de cu doce e enrolação, mas isto é outra história)... Tem que roalar a catação mútua.

Mas e quando um dos dois não pode, porque, digamos, um namora? Como fas/ Eu acho que a única opção que não acaba em chifre é o afastamento.

Quéroul disse...

e era pra ser um blog engraçadão e tá o maió consultório sentimental.

olha, TCHAU!

Emil disse...

Bah, é só ciúme. Outro scrap e ela volta.

fabiana disse...

Simplesmente o melhor post de todos os blógues que o Sr. teve!

Me permite lembrar-lhe que sempre tive uma atração nada saudável por garotos nerds, então, meu caro, a frase: ´"Ok, você passou em todos os testes. Abaixe as calças agora", tecnicamente foi dita por mim.

E, Quéroul se identifica com este post, certeza! Isso aí em cima é dor da Marrom!

Tchau!

Emil disse...

Fabi, só me esclarece: Você sempre curtiu um garoto nerd? Ou só depois da adolescência?

Se a resposta for sim, você PRECISA me contar toda a sua vida amorosa.

fabiana disse...

hahahaha

post resposta no blog!

V.D.S. disse...

Ah, espera aí. As nerds sofriam muito mais que os nerds. Eu ajudava eles a fazer lição! Qdo não fazia pra eles! E era sempre o mesmo papinho "Vc é tão diferente das outras". Claro que era!!! E, olha, concordo, amizade entre sexo oposto tem sempre tensão sexual. Ainda bem.

Emil disse...

Mas quem disse que nós nerds não fazíamos? Claro que fazíamos! As lições, passávamos cola, dávamos um jeitinho de encaixá-las nos nossos grupos de trabalho...

menina_pati disse...

"é impossível usar os miolos para compensar as canelas finas"; engasguei de tanto rir.

A verdade é que se rola atração dos dois lados não tem como mesmo. Uma hora morre muita gente mesmo, comandante.

marcela primo disse...

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Quando apenas um dos dois está afim, dói muito... mas se os dois estão afim, pega nada...

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